Marcílio Mota

Marcílio Mota

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

VENCER SEM LUTAR?

O fim de um ano e o início de outro nos coloca diante dos inevitáveis balanços e planejamentos. É tempo de refletirmos sobre o que vivemos e nos prepararmos para o que vem pela frente. Nesse contexto, então, veio a minha mente uma expressiva história bíblica que encontramos no livro de II Crônicas (lê-se Segundo Livro de Crônicas), cap. 20.

A história revela uma vitória do povo de Deus numa batalha sem que qualquer pessoa tenha lutado. Isso mesmo! Uma vitória sem luta ou quase isso, como vamos explicar. A história em questão tem muitas lições importantes e uma das principais delas é a subversão por Deus da lógica dos homens. Ouvimos centenas ou milhares de vezes que não há vitória sem luta. Nessa história sobre a qual nós vamos refletir a Bíblia mostra uma vitória numa batalha sem a luta física dos vencedores. Jesus também disse, entre as muitas subversões da lógica do homem natural, que o último será o primeiro e que aquele que quiser ser o mais importante deve servir ao invés de ser servido – Mateus 20-16 e 23:11.

Vamos à história e às suas lições.

O povo de Israel, como sabemos, nunca teve paz. Esteve sempre cercado por povos que desejaram a sua destruição, como ainda hoje é o caso. O Irã, por exemplo, pretende o completo aniquilamento de Israel. Semelhantemente, Jesus diz ao seu Israel espiritual: “no mundo tereis aflições...”. João 16:33.

Na história contada no II Crônicas 20, vários povos se juntaram contra Israel, cuja monarquia de então tinha como rei Josafá. O “serviço secreto” de Josafá trouxe a ele a notícia do ajuntamento de diversas nações contra o povo escolhido por Deus. O número de soldados dos inimigos era incontestavelmente maior que o número de soldados de Israel – cap. 20, v. 1-2. A derrota e a destruição eram iminentes. O que acontece, então, a Josafá? Ele teve medo – v.3

A primeira lição: o medo pode ser um sentimento perfeitamente justificável e que deve demandar uma reação proporcional ao nosso temor. Estamos diante de tantos desafios o tempo todo que é natural que em algum momento tenhamos medo. Não podemos, no entanto, nos deixar paralisar pelo medo, mas reagir na proporção necessária e com as “armas possíveis”.

E qual foi a reação de Josafá? Do ponto de vista humano não haveria chances! Os exércitos ajuntados eram muito superiores. A luta no campo físico não seria bastante para a vitória. Josafá buscou ao SENHOR. Foi reclamar uma intervenção divina e conclamou todo o povo a fazer o mesmo – v. 3-4. Jesus nos ensinou quanto à necessidade de que fóssemos vigilantes e nos mantivéssemos em oração.

A segunda lição: há lutas para as quais os nossos recursos físicos, financeiros etc. não são suficientes. É preciso que sejamos humildes para reconhecer isso. Para essas lutas precisamos buscar ao SENHOR! Inúmeras são as expressões bíblicas do abandono das forças físicas e dos recursos em nome da fé. Lemos, por exemplo, “Uns confiam em carros e outros em cavalos, mas nós faremos menção do nome do Senhor nosso Deus” – Salmo 20, v.7.

A terceira lição: a busca ao Senhor revela que há lutas que precisam ser travadas no campo espiritual. Não podemos ignorar que há um “mundo espiritual” ao lado do mundo físico. No mundo espiritual de nada vale a luta física. No mundo espiritual só tem efeito a luta espiritual. Jesus revelou a Pedro, o forte, a pedra, que Satanás vivia tramando para tragá-lo e que Pedro tinha sido preservado pela intervenção espiritual do próprio Jesus - Lucas, cap. 22, v 31-32. A força física de Pedro não valia de nada nessa luta, o que foi revelado mais tarde quando ele negou que conhecesse Jesus, não obstante essa pergunta tivesse sido feita a ele por pessoas humildes e sem poder terreno – Mateus, cap. 26, v. 69-74. Paulo, mais tarde, pelo Espírito Santo, revelou ao escrever aos efésios, cap. 6, v. 12: “pois não é contra carne e sangue que temos que lutar, mas sim contra os principados, contra as potestades, conta os príncipes do mundo das trevas, contra as hostes espirituais da iniqüidade nas regiões celestes”.

A quarta lição: precisamos trazer à memória aquilo que é capaz de nos dar esperança, conforme o que está escrito em Lamentações de Jeremias 3:21. Josafá fez uma oração na qual invocou perante o Senhor os feitos dEle a favor de Israel e, principalmente, as promessas do Senhor para o seu povo – II Crônicas, cap. 20, v. 5-12. Em todos os momentos, mas, sobretudo, quando temos grandes desafios, quando a luta é maior do que as nossas forças e recursos, devemos lembrar, trazer à memória, as incontáveis promessas do Senhor para o seu povo. Reconhecer perante Ele que não temos força, que creditamos a Ele o poder para a vitória! Deus é fiel! Ele cumpre todas as suas promessas. A sua fidelidade, ademais, independe de nossa própria fidelidade. A paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo é a garantia da atualidade da promessa de Deus.

A quinta lição: Deus não deixa o seu povo sem resposta! Os versos 14-17 do Cap. 20 de II Crônicas nos revela a resposta de Deus. Sim, Deus fala conosco! Na história, o Espírito Santo veio sobre um dos filhos de Deus para revelar o que o Senhor faria ao seu povo.

Vocês não terão de lutar, disse o Senhor. Essa luta não é de vocês, mas minha! Vocês irão para o lugar da peleja para que assistam a minha vitória sobre os meus inimigos. Vocês verão o livramento que darei a vocês.

Diante de nossos desafios, lutas, quando as nossas forças não forem suficientes e recorrermos ao Todo Poderoso, Ele nos dará resposta. Falará ao nosso coração e isso pode acontecer de diversas formas. Jesus disse que estaria conosco todos os dias. Prometeu que enviaria o Consolador, o qual, de fato, desceu sobre a congregação de fíes no pentencostes a atua até hoje sobre e na igreja de Cristo.

A sexta lição: há lutas que não são nossas. Embora estejamos no meio delas, embora exércitos se levantem contra nós, a luta, na verdade, é contra o que somos, contra a nossa condição de povo e de filhos de Deus. Sim! Deus tem um inimigo e esse inimigo atenta contra os filhos de Deus, já que não pode lutar diretamente contra o próprio Deus. O inimigo de Deus é, então, o nosso inimigo. É nessas lutas, então, que Deus toma o nosso lugar. A luta, afinal, não é nossa, mas de nosso Deus! O evangelho de João diz que todos os que receberam a Jesus foram feitos filhos de Deus. Jesus, por outro lado, diante da perseguição de Saulo à igreja, disse a Saulo, no caminho de Damasco: Saulo, Saulo, porque me persegues – Atos cap. 8:9 e cap. 9:4.

A sétima lição: a necessidade de que acreditemos nas promessas do Senhor! Josafá e o povo creram na revelação. Foram até o local da batalha. O mais importante nesse ponto de nossa história é vermos como Josafá e o povo foram para a guerra. À frente do exército, ao invés da infantaria, ele colocou os cantores. Isso mesmo! Os cantores de Israel, uma tribo inteira, a tribo de Levi, saiu à frente do exército com as suas roupas de cânticos, algo semelhante às batas que os corais utilizam hoje – cap. 20, v. 20-21. Existe algo mais incrível nessa história toda? Como uma nação vai para uma batalha e ao invés das estratégias de luta naturais, coloca à frente os seus músicos e cantores?

A oitava lição: para as batalhas, devemos ir entoando os cânticos de adoração ao nosso Deus. Certamente nada incomoda mais o nosso adversário espiritual do que os cânticos com os quais ressaltamos o nosso louvor e adoração ao Deus verdadeiro e proclamos o seu poder e a sua majestade. Os filhos de Deus dizem: a bondade do Senhor dura para sempre. Ela não tem fim! Os cânticos parecem ter confundido os adversários de Deus. O resultado: os exércitos que vieram contra os filhos de Deus guerrearam entre si. Não ficou um único soldado a ser eliminado pelo povo de Israel. Ademais, todas as riquezas que eles haviam acumulado nas batalhas anteriores ficaram para os filhos de Israel - v. 22-28. No livro de Atos dos Apóstolos temos um relato semelhante – cap. 16:26. Paulo e Silas oravam e cantavam louvores a Deus quando um terremoto se seguiu da quebra de suas algemas e os colocou em liberdade. É fato, o louvor liberta e ganha batalhas!

Então, é possível ganhar uma batalha ou guerra sem lutar? Qual a resposta?

Concluo citando C. S Lewis: “Mire o céu e você vai ter a terra como lucro. Mire a terra e você não vai ter nem uma coisa nem outra”.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NO NOVO CPC – O FIM DA NOMEAÇÃO À AUTORIA E DA OPOSIÇÃO

Tema dos mais tormentosos, sobretudo para os que se iniciam no estudo do processo civil, a intervenção de terceiros no processo passa a ter estrutura bastante simplificada, vingando as alterações que estão sendo decididas no Congresso Nacional para o novo Código de Processo Civil, o que favorecerá não apenas o estudo e a compreensão dos institutos que o compõem, mas também o seu adequado manejo prático.

A Assistência como modalidade de intervenção de terceiro (não confundir com a assistência para suprir incapacidade relativa da parte) é inserida no capítulo próprio da intervenção de terceiro – arts. 308 a 313 do Substitutivo aprovado no Senado -, diferentemente do que ocorre no sistema atual, quando houve evidente equívoco no trato do instituto, apartado das demais formas de intervenção. A Assistência, no entanto, não sofre qualquer modificação significativa. São previstas as espécies da Assistência Simples e da Assistência Litisconsorcial e o demais tratamento desses tipos de intervenção é para mero aperfeiçoamento redacional do texto atual – arts. .

A Oposição desaparece como modalidade de intervenção. Aquele que pretender para si direito ou coisa que esteja sendo disputada judicialmente terá de promover a instauração de relação processual específica, o que não significa a impossibilidade de que os processos instaurados em separado sejam reunidos. Em face do princípio da economia processual e, principalmente, por uma questão de política judiciária, interpretamos que haverá a necessidade de que os processos sejam reunidos, inclusive para que sejam evitadas decisões conflitantes. Enfim, o terceiro, atualmente tratado como opoente em vista da Oposição, não poderá deduzir a sua pretensão na relação processual pendente entre o autor e o réu.

A Nomeação à Autoria é outro instituto que desaparece com o novo código, se vingar a redação do Substitutivo de Projeto de CPC. A defesa do que foi acionado indevidamente no pressuposto de que seria o responsável pela ofensa ou porque deteria a condição de proprietário será para postular a improcedência do pedido contra ele formulado. A medida implica na necessidade de que o autor, como não poderia deixar de ser, tome a devida precaução no acionamento de seu adversário. O réu, acionado indevidamente nas hipóteses que hoje comporta a Nomeação à Autoria, não tem a possibilidade ou dever de nomear ao processo a pessoa legítima.

A Denunciação à Lide também desaparece como modalidade específica de intervenção de terceiro. Em seu lugar surge a Denunciação em Garantia – arts. 314 a 318. A Denunciação em Garantia não prevê a hipótese do inciso II do art. 70 do CPC atual e nisto consiste a sua principal diferença em relação à Denunciação à Lide.

O Chamamento ao Processo é tratado entre os arts. 319 e 321 e repete as mesmas hipóteses de cabimento e finalidade do CPC atual.

Por fim, o legislador inova também ao prevê, na parte de intervenção de terceiros, a atuação do Amicus Curiae especificamente com essa denominação. O CPC atual prevê a atuação do Amicus Curiae na fase recursal – arts. , mas não utiliza a nomenclatura que a doutrina consagra na designação desse interveniente. A intervenção do Amicus Curiae poderá ser por iniciativa do órgão julgador, inclusive monocrático, e não poderá ser impugnada por meio de recurso, mas não legitimará o interveniente a apresentar recurso contra a decisão que vier a ser proferida ao final.

Não imaginamos que as alterações em questão causem grande impacto prático na seara do Processo do Trabalho, embora sejamos da opinião de que os operadores do processo do trabalho devessem ser mais adeptos da prática das formas de intervenção de terceiros no processo, sobretudo pelo chamamento ao processo e chamamento em garantia, tendo em vista a ampliação da competência da Justiça do Trabalho como determinada pela Emenda 45.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

ASPECTOS OUTROS RELATIVOS ÀS TUTELAS DE URGÊNCIA NO SUBSTITUTIVO DO PROJETO DE CPC

Na postagem passada, tratamos das alterações que o Projeto de CPC estava impondo a atividade de urgência. Nesta postagem, continuamos com a abordagem de aspectos outros que encontramos agora no Substitutivo do Projeto encaminhado pelo Senado à Câmara Federal. É certo que nessa matéria de tutelas de urgência poucas alterações o Senado impôs ao Projeto apresentado pela comissão de juristas. Vejamos algumas questões com as quais poderemos nos deparar no Código de Processo Civil que venha a ser promulgado:


1. O Substitutivo, como o Projeto, não prevê claramente a concessão de medida de urgência sem a oitiva da parte adversa, a liminar inaudita altera pars. No sistema atual nós temos duas regras sobre a matéria, que são as do art. 804 e a do Parágrado único do art. 889. Pela primeira é possível a concessão da liminar “inaudita altera pars” se o réu, tomando conhecimento da medida, puder impedir os efeitos pretendidos pelo autor. No Parágrafo único do art. 889, temos que a liminar sem a oitiva da parte contrária pode ser justificada pela urgência. Interpretamos que a omissão do legislador é grave e até enviamos sugestão ao senador Valter Pereira, relator do Substitutivo, para que aprimorasse o texto reiterando essas duas situações para justificar a liminar “inaudita altera pars” no novo CPC. Por outro lado, também entendemos que a eventual omissão, caso confirmada no texto final, não impedirá que os órgãos jurisdicionais continuem deferindo liminares sem a oitiva do réu. Valerá, nesse caso, o princípio da efetividade da jurisdição e dos direitos e a “memória legislativa”. Quanto a esse último aspecto, ressalto que o princípio da fungibilidade dos recursos que tinha previsão no CPC de 39 e não tem no CPC de 73 continuou sendo aplicado em vista do que denominamos de “memória legislativa”;

2. O Poder Geral de Cautela está consagrado como a possibilidade de o juiz adotar medidas de urgência de ofício, independentemente do caráter satisfativo ou cautelar da medida de urgência. O art. 277 do Substitutivo tem a seguinte redação: “Em casos excepcionais ou expressamente autorizados por lei, o juiz poderá conceder medidas de urgência de ofício”.

Essa redação traz uma alteração substancial no sistema em se considerando a regra passada. No atual art. 797 do CPC, temos que os juízes podem determinar medidas de cautela de ofício em casos excepcionais, quando autorizados por lei. Agora, ao invés da vírgula, que significa que os casos excepcionais são os autorizados por lei, temos um “OU”. Assim, os juízes poderão conceder tutela de urgência de ofício em casos excepcionais ou quando autorizados por lei. Antes os casos excepcionais deveriam ser previstos em lei. Com a nova redação, os casos excepcionais são aqueles identificados pelo órgão jurisdicional. Assim, o juiz deixa de ser limitado pela lei. A necessidade do caso concreto será o seu guia para a atuação de urgência de ofício. Registre-se, nesse ponto, que essa “leitura” do OU no lugar da vírgula era proposta por Marinoni e Arenhart (2008) para a regra do atual art. 797 do CPC, mas não era a interpretação majotitária;

3. No Substitutivo do Projeto, repete-se regra do Projeto no que respeita aos requisitos para a concessão da tutela de urgência - art. 276. O legislador diz que é necessário elementos que evidenciem a plausibilidade do direito e a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação.

Como as tutelas de urgência podem ser satisfativas do direito ou meramente cautelares, é possível que façamos uma distinção entre o que seja a plausibilidade do direito na tutela de urgência satisfativa e na cautelar. No que respeita à tutela de urgência satisfativa, a plausibilidade do direito será a necessidade da evidência do direito material. A tutela de urgência satisfativa corresponde hoje ao que denominamos de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. Como o autor será adiantado no gozo do bem de vida que ele persegue através do processo, será necessário que ele demonstre a titularidade do direito material pretendido.

No caso da tutela de urgência cautelar, que tem por objetivo dar efetividade ao processo, conforme a regra do § 2º do art. 269, mantemos a posição decorrente do alinhamento com a interpretação de Ronaldo Cunha Campos (apud THEODORO JÚNIOR, 2004), para quem essa plausibilidade não é a do direito material, mas a demonstração da titularidade de uma ação na qual será discutido o direito material ou se promoverá a satisfação de uma obrigação; e

4. A produção antecipada de provas deixa de figurar como uma medida necessariamente de urgência. Aliás, o Projeto e agora o Substitutivo não traz as medidas cautelares específicas. Não teremos mais as medidas nominadas de arresto, sequestro, busca e apreensão, produção antecipada de provas etc. como atualmente encontramos a partir do art. 813 do CPC.

A produção antecipada de provas será prevista para casos de urgência, mas também para possibilitar a conciliação e permitir o uso ou não da ação principal.

Expliquemos: a produção antecipada de provas é prevista no CPC atual quando há risco de perda da prova – arts. 847 e 849. A parte ou a testemunha está enferma e pode vir a falecer; ou uma máquina será desmontada e não será possível submetê-la à prova pericial. Assim, a prova é produzida antes do momento adequado, qual seja, o da instrução da causa, quando definido os limites da lide, porque há risco de perda da prova.

No Substitutivo, a prova antecipada é prevista quando a parte deseja simplesmente verificar a viabilidade de um pedido principal – art. 367, III. Assim, diante da prova produzida antecipadamente, ele poderá apresentar ou não o pedido principal.

Por outro lado, a produção antecipada de prova poderá ser requerida para viabilizar uma conciliação – art. 367,II. O legislador confirma, aqui, a possibilidade da conciliação judicial em torno de objeto não submetido à jurisdição.


Referências:

Marinoni, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.


Theodoro Júnior, Humberto. Processo Cautelar. São Paulo: Livraria Editora Universitária de Direito (LEUD), 2004.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O PROJETO DE CPC E O FIM DO PROCESSO CAUTELAR

O projeto de CPC altera de um modo bastante radical a atividade cautelar. No CPC atual, a atividade cautelar é tratada no Livro III, a partir do art. 796, numa perspectiva de autuação autônoma e de tramitação relativamente independente. O processo cautelar como disciplinado no CPC de 73 é, assim, uma manifestação evidente da consideração de que a atividade jurisdicional do estado pode se expressar de três modos, sendo a atividade cautelar um terceiro gênero (tertium genus), ao lado das atividades de cognição e de execução.

Pois bem.

No projeto, não existe um “processo cautelar”, como tal entendido uma atividade objeto de autuação e tramitação específicas e que componham autos próprios. O projeto prevê “tutelas de urgência”, que podem ser preventivas ou satisfativas – art. 277 do Projeto de CPC -, e que serão apresentadas e conhecidas nos mesmos autos da atividade principal.

Assim, a parte poderá apresentar um pedido de tutela de urgência em caráter preparatório e naqueles autos se seguirá a atividade principal, se for o caso – § 1º do art. 289. Do mesmo modo, havendo uma atividade principal que necessite ser instrumentalizada por uma tutela cautelar, esse pedido cautelar será formulado nos autos em que tramita o pedido principal - art. 294.

O Projeto institucionaliza, de uma vez por todas, o chamado “sincretismo processual”. Numa mesma e única relação processual e autos o estado desenvolverá as atividades de cognição, cautelar e de execução que forem necessárias com pagamento único de custas processuais para todas as atividades.

O projeto merece aplausos, nesse ponto, sobretudo pela simplificação que consagra, e que também evidencia preparação para a futura larga utilização do “processo eletrônico”.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

PROVA CORRIGIDA DE DIREITO DO TRABALHO DA OAB 2010.2

QUESTÃO 1

Em ação trabalhista, a parte reclamante postulou a condenação da empresa reclamada no pagamento de horas extraordinárias e sua projeção nas parcelas contratuais e resilitórias especificadas na inicial.

Ao pregão da Vara trabalhista respondeu o empregado-reclamante, assistido do seu advogado.

Pela empresa, compareceu o advogado, munido de procuração e defesa escrita, que explicou ao juiz que o preposto do empregador-reclamado estaria retido no trânsito, conforme telefonema recebido.

Na referida defesa, recebida pelo juiz, a empresa alega que o reclamante não trabalhou no horário apontado na inicial e argui a prescrição da ação, por ter a resilição contratual ocorrido mais de dois anos depois do ajuizamento da reclamação trabalhista, o que restou confirmado após a exibição da CTPS e esclarecimentos prestados pelo reclamante.

Em face dessa situação hipotética, responda, de forma fundamentada, às indagações a seguir.

a) Que requerimento o advogado do reclamente deverá fazer diante da situação descrita? Estabeleça ainda razões do requerimento.
R. O reclamante deve pedir o reconhecimento da revelia do reclamado e a devolução da peça de defesa e documentos ao advogado da empresa. O reclamado deve comparecer à audiência, independentemente de seu advogado, conforme a regra do art. 843 da CLT. A ausência implica em revelia e confissão, art. 844 da CLT. O juiz, então, não deveria receber a peça de defesa, já que a defesa é ato da parte que, no caso, não estava presente.

b) Com base em fundamentos jurídicos pertinentes à seara trabalhista, o pedido deverá ser julgado procedente ou improcedente?

R. O juiz deverá julgar procedente o pedido.
Não é o caso de se reconhecer a prescrição, como poderia parecer, diante de uma leitura apressada do texto da pergunta.

O enunciado diz que "a resilição contratual ocorreu mais de dois anos DEPOIS da reclamação". Primeiro veio a reclamação e depois a resilição, o que sugere que a reclamação foi apresentada no curso do contrato, o que não é comum, mas não é impossível.

Assim, pelo enunciado, o direito de pedir horas extras e consectários não foi alcançado pela prescrição.

Assim, o pedido deveria ser julgado procedente porque a reclamada é revel e incidiu em confissão dos fatos articulados pelo reclamante.




QUESTÃO 2

Um membro do conselho fiscal de sindicato representante de determinada categoria profissional ajuizou reclamação trabalhista com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, postulando a sua reintegração no emprego, em razão de ter sido imotivadamente dispensado. O reclamante fundamentou sua pretensão na estabilidade provisória assegurada ao dirigente sindical, prevista nos artigos 543, § 3º, da CLT e 8º, inciso VIII, da Constituição da República de 1988, desde o registro de sua candidatura até 01 (um) anos após o término de seu mandato.

O juiz concedeu, em sede liminar, a tutela antecipada requerida pelo autor, determinando a sua imediata reintegração, fundamentando sua decisão no fato de que os membros do conselho fiscal, assim como os integrantes da diretoria, exercem a administração do sindicato, nos termos do art. 522, caput, da CLT, sendo eleitos pela assembléia geral.

Com base em fundamentos jurídicos determinantes da situação problema acima alinhada, responda às indagações a seguir.

a) O juiz agiu com acerto ao determinar a reintegração imediata do reclamante?
R. Não. Embora os que gozem de estabilidade provisória ou garantia de emprego possam ser reintegrados liminarmente, conforme o inciso X do art. 659 da CLT, o trabalhador da questão não gozava garantia de emprego.

Fico, nesse ponto, com a interpretação que está consagrada na OJ n. 365 da SDI-1 do TST. Entendo, assim, que o membro do Conselho Fiscal de um sindicato não é dirigente sindical e, logo, não detém garantia de emprego. Como destaca a OJ, a atuação do conselho fiscal é de mera administração.



b) Que medida judicial seria adotada pelo reclamado contra esta decisão antecipatória?
R. É princípio do processo do trabalho, decorrente da oralidade, que as decisões interlocutórias ou não-finais não possam ser atacadas de recurso. É o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, que encontramos no § 1o. do art. 893 da CLT.

Assim, não cabe recurso para atacar a medida, mas ela pode ser impugnada por meio de Mandado de Segurança. A ação de Mandado de Segurança serve, entre outros, para atacar decisão judicial que não possa ser impugnada mediante recurso. No sentido de cabimento de Mandado de Segurança para a hipótese específica nós encontramos a Súmula 414 do c. TST.





QUESTÃO 3

Na audiência inaugural de um processo na justiça do trabalho que tramita pelo rito sumaríssimo, o advogado do réu apresentou sua contestação com documentos e, ato contínuo requereu o adiamento em virtude da ausência da testemunha Jussara Freire que, apesar de comprovadamente convidada, não compareceu. O advogado do autor, em contraditório , protestou, uma vez que a audiência é una no processo do trabalho, não admitindo adiamentos. O juiz deferiu o requerimento de adiamento, registrou o protesto em ata e remarcou a audiência para o início da fase instrutória.

No dia designado para a audiência de instrução, a testemunha Jussara Freire não apenas compareceu, como esteve presente, dentro da sala de audiências, durante todo o depoimento da testemunha trazida pelo autor. No momento da sua oitiva, o advogado do autor contraditou, sob o argumento vício procedimental para esse inquirição, ao que o advogado do réu protestou. Antes de o juiz decidir o incidente processual, o advogado do réu se antecipou e requereu a substituição da testemunha.

Diante da situação narrada, analise o deferimento de adiamento da audiência pelo juiz, bem como a contradita apresentada pelo advogado do autor e o requerimento de substituição elaborado pelo advogado do réu .
R. O juiz agiu, acertadamente, ao deferir a substituição da testemunha. As regras dos § 2o e 3o do art. 852-H da CLT diz, precisamente para os processo do rito sumaríssimo, que as testemunhas comparecerão à audiência independentemente de intimação e que as que forem convidadas e não comparecerem serão intimadas pelo juízo. A parte provou que a testemunha foi convidada.

Relativamente à contradita, tem razão o advogado que a apresentou. A testemunha que ainda não depôs não pode ouvir o depoimento da testemunha que lhe antecede, independentemente de quem a tenha arrolado, conforme o art. 413 do CPC.

Quanto ao requerimento de substituição da testemunha, o princípio da ampla defesa reclama que o requerimento seja deferido. Não se pode atribuir a falha procedimental à parte que arrolou a testemunha. A testemunha intimada "pertence" ao juízo e o juiz, condutor da audiência, art. 765 da CLT, deve velar para que incidentes dessa natureza não ocorram.





QUESTÃO 4

Em reclamação trabalhista ajuizada em face da empresa"Y", José postula assinatura da CTPS, horas extras e diferenças salariais com fundamento em equiparação salarial e pagamento de adicional de periculosidade.

Na defesa oferecida, a empresa nega ter o empregado direito à assinatura da CTPS, dizendo ter o obreiro trabalhado como autônomo; quanto às horas extras, nega o horário alegado, se reportando aos controles de frequência, que demonstram, segundo alega, que o reclamente não as realizava; e, quanto às diferenças salariais, sustenta que o reclamante era mais veloz e perfeito na execução do serviço do que o paradigma apontado.

Considerando as normas processuais sobre a distribuição do ônus da prova, estabeleça, através de fundamentos jurídicos, a quem cabe o ônus da prova em relação a cada uma das alegações contidas na defesa apresentada pelo reclamado?
R. A questão versa sobre o ônus da prova dos litigantes numa situação hipotética a partir de controvérsias fáticas decorrentes da confrontação da inicial com a defesa. Vejamos:

a) O reclamado, quanto ao pedido de registro do contrato na carteira de trabalho, disse que o obreiro teria sido autônomo. Não houve negativa do trabalho, fato constitutivo do direito, mas de trabalho que não justificaria o registro da CTPS, ou seja, na condição de autônomo. O reclamado alegou, então, fato impeditivo do direito do autor. O ônus da prova seria do reclamado, conforme o art. 818 da CLT c/c o inciso II do art. 333 do CPC.

b) A negativa de labor extra mediante a apresentação dos registros de frequência impõe ao reclamante a prova da jornada que descreveu na inicial. O labor extra é fato constitutivo do direito do reclamante. Aplicação do art. 818 da CLT c/c o inciso I do art. 333 do CPC.

c) Relativamente, por fim, à diferença salarial, a defesa diz que o "reclamante era mais veloz e perfeito na execução do serviço do que o paradigma". Se o reclamado tivesse dito o contrário, ou seja, que o paradigma era mais veloz e perfeito, o ônus da prova seria do reclamado, já que a diferença no trabalho em favor do paradigma seria fato impeditivo do direito do reclamante como, aliás, ressalta a Súmula 6 do TST em seu item VIII. Como o reclamado disse que o reclamante era mais perfeito e veloz não há ônus probatório para qualquer dos litigantes. A afirmação confirma que não havia motivo para que o reclamante recebesse menos que o paradigma, pelo contrário.




QUESTÃO 5

Vindo da sua cidade natal, Aracaju, José foi contratado na cidade do Rio de Janeiro, para trabalhar como pedreiro,em Santiago do Chile, para empregador de nacionalidade uruguaia. Naquela cidade lhe prestou serviços por dois anos, ao término dos quais foi ali dispensado.

Retornando ao Brasil, o trabalhador ajuizou recalmação trabalhista, mas o juiz, em atendimento a requerimento do reclamado, extinguiu o processo, sob o fundamento de que a competência para apreciar a questão é da justiça uruguaia, correspondente à nacionalidade do ex-empregador.

Considere que entre Brasil, Chile e Uruguai não existe tratado definindo a questão da competência para a hipótese narrada.

a) O juiz agiu acertadamente em sua decisão? Justifique.
R. O juiz errou na extinção do processo. A hipótese é tratada no § 2o do art. 651 da CLT. A Justiça brasileira é competente para julgar conflito ocorrido em agencia ou filial no estrangeiro quando o empregado é brasileiro, desde que não haja norma internacional dispondo em sentido diferente. O enunciado diz que não havia tratado internacional dispondo sobre a autoridade competente para o conflito.


b) Informe se cabe recurso da decisão proferida, estabelecendo, se for o caso, o recurso cabível e, por fim, em que momento processual pode ser impugnada a referida decisão. Justifique a resposta.

R. A decisão em questão, ainda que versando sobre competência, é de natureza final. O enunciado diz que o juiz extinguiu o processo sem solução de mérito. No caso, então, incide a regra do inciso I do art. 895 da CLT. Contra uma decisão de Vara que extingue o processo, seja ela terminativa, sem solução do mérito, ou definitiva, com solução do mérito, o recurso cabível é o Recurso Ordinário.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Possíveis erros na prova da OAB do último domingo

A prova da OAB, aplicada no último domingo, contém possíveis erros nas perguntas de número 1 e 4.

Se interpretarmos que a OAB, na pergunta 1, COMO PARECE, queria manifestação da prescrição das pretensões veiculadas errou na afirmação de que "a resilição contratual teria ocorrido mais de dois anos DEPOIS do ajuizamento da reclamação trabalhista", OU SEJA, o reclamante ajuizou a RT e só mais de dois anos depois teve a resilição do contrato.

NA HIPÓTESE NÃO HÁ, PORTANTO, COMO CONSIDERAR A OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO TOTAL. A PRESCRIÇÃO TOTAL TERIA OCORRIDO SE, DIVERSAMENTE, A RT FOSSE AJUIZADA MAIS DE DOIS ANOS DEPOIS DE TERMINADO O CONTRATO.

Na pergunta de número 4, a empresa alegou que o reclamante, que pedia equiparação salarial, "seria mais veloz e perfeito" no serviço que o paradigma. A questão era sobre o ônus da prova para pedido de equiparação salarial.

Se o reclamante no serviço era mais veloz e perfeito que o paradigma TINHA TODA A RAZÃO PARA PEDIR A EQUIPARAÇÃO E ESTAMOS DIANTE DE CONFISSÃO DA RECLAMADA. NOUTRAS PALAVRAS, a reclamada reconheceu que não havia diferença de trabalho em proveito do paradigma e, assim, não há que se falar de ônus da prova.

domingo, 7 de novembro de 2010

A PROVA ILÍCITA, O ÔNUS DA PROVA, A PROVA ANTECIPADA E A PROVA EMPRESTADA NO PROJETO DE CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O Projeto de Código de Processo Civil apresenta mudanças significativas e interessantes no que respeita à parte geral das provas.

O Projeto prevê, por exemplo, a possibilidade da admissibilidade da prova obtida por meio ilícito, conforme se observa da redação do Parágrafo único do art. 257, e em aparente confronto com a Constituição da República, que prevê, no inciso LVI do art. 5º, a inadmissibilidade no processo da prova obtida ilicitamente. A redação da regra tem o seguinte teor: “A inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz à luz da ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos”.

A alteração no sistema nesse ponto atende ao que parcela da doutrina apregoa e é possível constatar em algumas decisões. Os tribunais têm admitido a prova obtida por meio ilícito, em algumas hipóteses, para a prevalência de valores também da ordem constitucional, como se dá com a dignidade da pessoa humana. Essa admissibilidade pelos tribunais, diga-se de passagem, não é com reconhecimento explícito da admissibilidade, no mais das vezes, mas de modo implícito. Encontramos, porém, decisões que, efetivamente, afirmam a admissibilidade da prova obtida por meio ilícito.

O Projeto apresenta uma alteração interessante no tópico da distribuição do ônus da prova mantendo a “distribuição estática”, que hoje encontramos no art. 333 do CPC, e adotando a figura da distribuição dinâmica, que hoje encontramos no inciso VIII do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor.

Pelo método da distribuição estática compete ao autor a prova do fato constitutivo de seu direito e ao réu a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Pelo método dinâmico de distribuição do ônus probatório é possível ao juiz distribuir o ônus probatório de modo diverso, impondo a prova ao litigante que revelar melhor condição de produzí-la. A regra em questão está no art. 262, cuja redação é do seguinte teor: “Considerando as circunstâncias da causa e as peculiaridades do fato a ser provado, o juiz poderá, em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condições de produzi-la”.

Relativamente à produção antecipada de prova, que hoje é prevista como procedimento cautaler nominado – art. 846 a 851 do CPC -, passa a figurar, como aliás, toda a tutela cautelar, como atividade jurisdicional compreendida em processo único. O processo cautelar deixa de ter, assim, autuação própria, confirmando o fenômeno denominado de “sincretismo processual”. Ademais, o Projeto prevê, o que parte da doutrina já considera, que esse tipo de prova deve ter lugar não apenas pelo risco de perda da prova, mas também para justificar ou evitar a apresentação do pedido principal. O projeto prevê, como novidade, também, a possibilidade da prova antecipada para viabilizar conciliação. A produção antecipada de provas está tratada no Projeto entre os arts. 271 e 273.

Por fim, quanto à prova emprestada, técnica de abreviação da obtenção da prova bastante utilizada na prática forense, o CPC atual não prevê regra alguma sobre ela, mas o Projeto a contempla no art. 260 dizendo de sua admissibilidade e pondo fim a pontuais celeumas sobre o tema. Vejamos o teor da regra: “O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”.