Marcílio Mota

Marcílio Mota

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A IRRECORRIBILIDADE IMEDIATA DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS e outras inovações – A INFLUÊNCIA DO PROCESSO DO TRABALHO NO NOVO CPC

Esta pequena reflexão é decorrente da provocação de um acadêmico de Direito que comentando um de nossas postagens no facebook disse que ao invés das regras do processo comum serem aplicadas subsidiariamente no processo trabalho, conforme os arts. 769 e 889 da CLT, deveria ocorrer o inverso, ou seja, que as regras do processo do trabalho tivessem aplicação supletiva no processo comum. O estudante de Direito estava diante da constatação de que a simplicidade e pouca complexidade do processo do trabalho permite uma solução mais rápida e efetiva dos conflitos postos à jurisdição.
A incontestável maior celeridade, eficácia e eficiência da Justiça do Trabalho em relação à Justiça Comum não pode ser reduzida a uma questão de mera aplicação de regras processuais, no entanto. Há outros elementos envolvidos na questão. De qualquer sorte, aproveito o ensejo para discorrer sobre algumas evidentes influências que o processo do trabalho exerce sobre o processo civil, em especial no Projeto de Código de Processo Civil que tramita no Congresso Nacional:

1. A IRRECORRIBILIDADE IMEDIATA DAS DECISÕES NÃO FINAIS
A irrecorribilidade imediata das decisões não finais é um princípio do processo do trabalho positivado na regra do § 1º do art. 893 da CLT. As decisões que o juiz monocrático profere no curso do processo são irrecorríveis de imediato.
Quando eu falo desse princípio com os estudantes que já tenham contato com o sistema recursal do processo comum o espanto é geral. Alguns deles, inclusive, contestam aquilo que eles denominam de “grande poder reconhecido aos juízes do trabalho”. Há uma percepção errada e preconceituosa em relação a qual eu me esforço para desfazer... E chego a brincar dizendo que não sei de qualquer pessoa que tenha morrido por não ter podido apresentar um recurso e vê-lo ser processado de imediato em face de uma decisão interlocutória no processo do trabalho...
Na sequência eu explico que a decisão pode ser impugnada por meio de Mandado de Segurança, que não é recurso, desde que haja violação a direito líquido e certo pelo juiz, conforme exemplifica o item II da Súmula 414 do c. TST. Explico, também, que essa possibilidade não tem justificado o manejo frequente do mandamus no processo do trabalho para atacar esse tipo de decisão. A parte só utiliza o Mandado de Segurança quando tem a clara percepção da violação de seu direito.
Tudo, enfim, parece ser uma questão de cultura provocada pela regra e, sobretudo, pela postura dos órgãos jurisdicionais no momento de sua aplicação concreta. A parte sabe que não adianta manejar um MS que não terá liminar ou decisão favorável e fica desencorajada a essa aventura.
Pois bem. O legislador do processo comum parece não saber o que fazer com as decisões que o juiz toma no curso do procedimento. Na redação originária do CPC de 73, a regra geral era a possibilidade de que todas as decisões interlocutórias pudessem sofrer o Agravo de Instrumento. Não satisfeitos, os órgãos jurisdicionais passaram a admitir o AI não apenas contra as decisões interlocutórias próprias, mas também para tudo o que fosse decisão do juiz no curso do processo. E eu digo que se um juiz do processo comum der um espirro a parte entra com um Agravo... O caos se instalou .
Em seguida, tivemos algumas alterações no Agravo e, por último, o Agravo Retido passou a ser a regra, conforme o art. 522 do CPC atual. Tivesse o processo comum seguido a ideologia do processo do trabalho, não haveria recurso contra decisões não finais dos juízes monocráticos, o que muito teria contribuído para a celeridade do processo, desde, claro, os órgãos de segundo grau mantivessem uma postura adequada em relação aos Mandados de Segurança que viessem a ser utilizados em face da impossibilidade do Agravo.
No projeto em tramitação na Câmara dos Deputados, agora Substitutivo, o Agravo Retido deixa de existir e as hipóteses de cabimento de Agravo de Instrumento são previstas taxativamente, conforme a regra do art. 969. Constatamos um claro avanço que não poderá ser desconsiderado pelo aplicador da regra, quando estiver em vigor. Esperamos que os Tribunais, sobretudo, estejam à altura da pretensão que a mudança pretende operar no processo civil.
Interpretamos, contudo, que o novo CPC, segundo a redação que saiu do Senado, ainda deixa muito a desejar. A manutenção do Agravo de Instrumento não se justifica diante da possibilidade de que a decisão no curso do processo possa ser impugnada por meio de Mandado de Segurança naqueles casos em que haja violação a direito líquido e certo pelo condutor do processo. A inexistência de um recurso contra a decisão não final conduziria todas as questões ao Tribunal no recurso de apelação, o que seria fator de aceleração da tramitação do processo.

2. A EFICÁCIA IMEDIATA DA SENTENÇA
O Projeto previa, o que restou mantido pelo Substitutivo, a eficácia imediata das sentenças. A Apelação interposta contra a sentença não terá efeito suspensivo – art. 949 c/c o art. 968. A regra no CPC atual é de que a Apelação, que é o recurso previsto para as sentenças, seja recebida com efeito suspensivo, de acordo com o art. 520 do CPC.
No processo do trabalho a sentença nunca foi impugnada por meio de recurso dotado de efeito suspensivo. A regra, sem exceção, é a de que o Recurso Ordinário, para as sentenças na fase de conhecimento, ou o Agravo de Petição, para as sentenças na execução, não terão efeito suspensivo.
O Projeto de CPC, que agora tramita na Câmara dos Deputados, prevê, no entanto, que o relator da Apelação decida por eventual efeito suspensivo do recurso, tendo em vista a provocação do apelante - § 1º do art. 949.
O fim do efeito suspensivo com regra é uma alteração muito importante no aspecto político porque dá importância ao julgamento de primeiro grau. O efeito suspensivo, de regra, lança uma desconfiança sobre o trabalho do juiz de primeiro grau e constatamos, na prática, no entanto, que as sentenças possuem a vocação da manutenção pelo órgão de segundo grau. A prática revela, então, que o trabalho do juiz de primeiro grau na sentença é um trabalho sério e que merece todo o prestígio da sociedade a partir, inclusive, do reconhecimento da produção de efeitos imediatos ao que for decidido.
A possibilidade de atribuição de efeito suspensivo à apelação pelo relator, por outro lado, diante de simples petição apresentada pelo recorrente, tem outros dois ingredientes positivos mais.
Em primeiro lugar, o relator fará a apreciação do pedido de suspensão caso a caso e tendo em vista a plausibilidade do direito do recorrente ou diante de risco de dano grave ou de difícil reparação. No primeiro caso, para a suspensão, o relator fará um juízo de mérito provisório sobre o provável êxito do Apelo. O efeito suspensivo será deferido se houver a possibilidade de êxito da apelação.
Em segundo lugar, a constatação de que o efeito suspensivo poderá depender, apenas, da plausibilidade do direito do apelante. Ele não terá de demonstrar o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, o que era requisito quando a atribuição de efeito suspensivo a recurso dependia de medida cautelar inominada.
Ressaltamos, nesse ponto, que a atividade cautelar, como já observamos em outra reflexão, deixa de sofrer autuação específica, e a regra, assim, de que o pedido de suspensão seja feito por simples petição, está de acordo com a nova sistemática do processo civil.
Interpretamos, por fim, que essa nova sistemática deve ter incidência no processo do trabalho. A possibilidade atual de atribuição de efeito suspensivo a recurso na esfera trabalhista, hoje por meio do manejo da ação cautelar inominada, deverá dar lugar a essa forma mais simples de atuação do recorrente.

3. A INICIATIVA OFICIAL PARA A EXECUÇÃO
O Processo do trabalho sempre conviveu com a iniciativa oficial para a execução, independentemente da natureza do provimento condenatório proferido pelo juiz. Assim, sempre tivemos a execução de ofício de obrigações de fazer, de não fazer, de entregar coisa e de pagar quantia, conforme o art. 878 da CLT. Essa possibilidade, inclusive, provocava a discussão sobre a autonomia da execução trabalhista fundada em sentença condenatória ou acordo não cumprido.
No âmbito do processo civil, no entanto, qualquer que fosse o teor do provimento jurisdicional, a execução, segundo a redação original do CPC de 1973, teria de ser provocada pelo credor. A atividade executiva, ademais, instaurava uma nova relação processual, quadro que só veio a ser modificado pela Lei n. 8.952/95, que alterando o art. 461 do CPC previu a efetivação de ofício das obrigações de fazer e de não fazer, e mais tarde pela Lei n. 10.444/2002, que acrescentou o art. 461-A ao CPC, prevendo a efetivação de ofício das condenações em obrigação de entregar coisa.
A Lei n. 11.232/2005, que alterou o sistema da execução das condenações de quantia, manteve, no entanto, a necessidade de que essa execução fosse provocada pelo beneficiado pela decisão condenatória, no prazo de seis meses - § 5º do art. 475-J, sob pena de arquivamento provisório. Quando veio a lei em questão, fizemos crítica dizendo da timidez injustificada do legislador nessa matéria. Não havia razão para não permitir a execução de quantia de ofício.
Corrigindo esse erro, porém, o Projeto encaminhado pela Comissão de juristas ao Senado previa, no § 3º do art. 490, a execução de ofício das condenações a pagamento de quantia, no que percebíamos mais uma influência do processo do trabalho no processo civil. Em mau tempo, entretanto, o Substitutivo aprovado no Senado alterou o projeto ainda exigindo a iniciativa do credor para a execução – art. 509.
Registre-se, por fim, que a influência do processo do trabalho sobre o processo civil não é recente. Conforme registrou Wagner D. Giglio na década de 70 do século passado, refletindo sobre o então novo CPC de 1973 (GIGLIO, 1977):
Curioso fenômeno se verifica no direito processual nacional: no seu anseio de levar às últimas consequências princípios inovadores, o processo do trabalho faz as vezes de um laboratório cujas experiências vêm sendo aproveitadas pelo processo civil. Neste, mais apegado à tradição, as inovações do processo trabalhista são aproveitadas após algum tempo, depois de cauteloso exame das experiências realizadas. Foi, aliás, o que ocorreu com o novo Código de Processo Civil, que adotou inúmeras inovações já experimentadas pelo processo trabalhista.

REFERÊNCIA
GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho, 4ª edição. São Paulo: LTr, 1977.

4 comentários:

  1. O Processo Trabalhista, subsidiário do Processo Civil, passa a ser referência para o novo CPC e, desta forma, se adequando ao princípio da simplicidade processual. Tornando a justiça comum e federal mais prática e com maior eficácia.
    Fico feliz por essa mudança, pois a agilidade processual será bastante eficaz. Agora com as petições eletrônicas na esfera da Justiça Federal, podemos presumir, com o novo CPC, que as ações contra, por exemplo: a União, serão mais ágeis, haja vista que o efeito suspensivo não utilizado como regra será de enorme eficácia.
    Professor, fui seu aluno na Maurício de Nassau, sou um amante do Direito e Processo do Trabalho, gostaria de trocar informações com Vossa Excelência quanto ao novo CPC.
    Meu e-mail: leo_triumph@hotmail.com.

    Abraço.

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  2. Ok Leo. A sua percepção em torno das mudanças que estão por vir são corretas. Vamos trocar ideias sim! O meu e-mail é profmarciliomota@hotmail.com
    Abraço

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  3. Bom. Discorto que o processo trabalhista é uma boa influência ao processo civil. Processo Trabalhista é uma coisa, o processo civil é outra. Advogar vai ser uma verdadeira via sacra. Juízes mal leem a petição inicial. Ja cansei de receber intimações inúteis das quais já havia previamente me manifestado na Inicial. Qual o papel do advogado? Ajuizar a ação e esperar quietinho o juiz proferir todas as decisoes interlocutórias a bel prazer e somente ao final pode recorrer de TODAS elas de uma só vez, só que a apelação será recebida com efeito devolutivo apenas. Olha só a complicação que será advogar. Resumiram o advogado a um mero subordinadl do juiz. Somente escuta e sem poder fazer nada a respeito. Ajuiza-se a Inicial e pronto, o trabalho do advogado já está feito. Um retrocesso!

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  4. Cintra, embora os processos sejam diferentes percebe-se claramente uma influência recíproca entre eles. Quanto ao aspectos mais destacado por vc, ou seja, o da irrecorribilidade imediata das decisões não finais, interpreto que, diversamente, o processo civil ganha, os advogados ganham, os jurisdicionados ganham. Não haverá, como vc supôs, uma diminuição do papel do advogado no processo. Grande abraço,

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