Marcílio Mota

Marcílio Mota

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O MUNDO IDEAL E A VIDA REAL: O STF E A MARCHA DA MACONHA

Na Constituição Federal, entre tantas outras coisas, estabelecemos os princípios elementares para a nossa convivência. Nela dissemos dos valores da pessoa humana, da liberdade de reunião, da liberdade de expressão etc., todos recentemente invocados pelo Supremo Tribunal Federal para a liberação da chamada “Marcha da Maconha”.

O STF decidiu, unanimemente (e vale aqui que toda unanimidade é burra!), que o movimento em questão não faz apologia ao crime, mas revela exercício regular das garantias constitucionais de liberdade de reunião e de expressão.

A maior corte de Justiça do país tomou como pressuposto, e o fez equivocadamente, que a “Marcha da Maconha” é APENAS a reunião de pessoas que se manifestam a favor da descriminalização do uso da maconha e de outras drogas.

É evidente, todos nós sabemos, que a “Marcha da Maconha” não é apenas um movimento pela descriminalização das drogas, o que seria absolutamente legítimo e legal. É também, de fato, uma reunião na qual não apenas se faz apologia ao uso da maconha e de outras drogas, mas também ONDE se faz o uso público das drogas proibidas, principalmente da maconha. Esse aspecto o STF não poderia desconsiderar.

A interpretação da Constituição e de qualquer regra não pode ignorar o que acontece na vida real, sobretudo porque, no caso, flerta perigosamente com o mal. A interpretação ignora que a “Marcha da Maconha” incentiva o consumo de uma droga que cria no usuário dependência e o encaminha a drogas mais poderosas e letais. Não são poucos os estudos científicos que revelam o mal da maconha. Não são poucas as vidas perdidas a partir do primeiro uso da maconha. No Recife, por exemplo, é altíssimo o incide de jovens entre os 14 e 30 que são assassinados pelo tráfico, em vista do vício que não puderam sustentar.

Mas eu não me espantei com a decisão do STF, no caso. De há muito temos tido uma interpretação do Direito que pressupõe um contexto social diverso daquele efetivamente vivenciado por todos nós. São interpretações para a Bélgica num contexto social que mais se aproxima ao da Índia, para utilizar um clichê por demais conhecido.

Tem muito tempo que não entendo, por exemplo, que se cante inocentemente: “vou apertar, mas não vou acender agora, se liga malandro, para fazer a cabeça tem hora”.

2 comentários:

  1. Marcilio, não estou convencida de que o STF poderia levar em consideração o fato de que as pessoas fariam uso publico de drogas durante a marcha.

    Esse fato tem uma existência hipotética condicionada à autorização da marcha. E se no fim das contas, autorizada a marcha, o uso publico de drogas viesse a se concretizar, caberia à policia o reprimir, sem que para tanto fosse obstada a liberdade de expressão no sentido da descriminalização.

    Penso aqui na hierarquia de bens juridicamente protegidos e seus titulares nesse caso. A sociedade estando do mesmo lado dos manifestantes. Os usuarios de drogas, eles, são doentes, marchando ou não a favor da descriminalização.

    Concordo quanto ao fato de que a maconha pode ser um passo em direção à drogas mais violentas. E penso que esse debate é mais importante que o debate juridico da descriminalisação.

    "Usuàrios de drogas" se lixam à 99% se são criminosos ou não, pois, eles estão doentes! Jà os "usuàrios de maconha", não a consideram como uma droga, dai não quererem ser criminalizados por fumarem.

    Eh um debate de surdos, enfim! E a intervenção do Judiciario nesse caso não ajudou muito na educação dos cidadãos e da formação de uma opinião publica solida.

    Estamos longe de ser a Bélgica e longe de ser a India também. Graças a Deus, pois nosso pais é maravilhoso, sem complexos. Mas precisamos, é verdade, ajudar a melhorar a nossa casa, aperfeiçoando as instituições democraticas.

    Tenho certeza que o debate permitido pela liberdade de expressão que hoje temos, teve um papel importantissimo na construção da nossa identidade brasileira. Vamos preservar seu lugar de destaque!

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  2. DITADURA X DEMOCRACIA
    REPRESSÃO X LIBERDADE DE EXPRESSÃO

    Vivemos numa era em que cada vez mais o diálogo é reconhecido como sendo o melhor caminho para a resolução de conflitos. Temos muita sorte por isso, outrora, há uns 30 anos atrás mais ou menos, seria inimaginável que eu, cidadão comum, estivesse escrevendo no blog de um Juiz de direito sobre um tema tão polêmico quanto esse. E o pior, divergindo dele. Concessa maxima venia, alguns pontos precisam ser esclarecidos.

    O objeto da ação foi unicamente a liberação da MARCHA da maconha e NÃO DE OUTRAS DROGAS ou da LEGALIZAÇÃO como ficou bem claro nos pronunciamentos dos Ministros. O fato é que não podemos desviar o foco do debate, devemos nos ater ao real objeto da ação que foi o direito à reunião e livre manifestação do pensamento, direito subjetivo fundamental manifestado coletivamente por cidadãos, trabalhadores, contribuintes e eleitores, que pedem para ter seu direito reconhecido.

    Ilícito seria tornar ilícito o debate sobre o ilícito, como bem expôs o Min. Ayres Britto. Se enxergarmos o processo de mudança da sociedade como algo estático, a Lei Penal e nenhuma outra lei jamais poderia ser mudada. A função do direito é justamente acompanhar esse processo de mudança na sociedade assim como a essência da República é garantir que esse direito seja usufruído por todos, por mais diferentes, estranhos ou “feios” que eles sejam na visão da maioria.

    Aqui se trata do direito de pensamento, de liberdade de expressão, de se reunir pacificamente e sem armas em via pública para dialogar pacificamente sobre o que quer que seja: do aborto ao casamento gay, para não falar dos negros ou dos índios, das mulheres ou do próprio nascimento da nossa Constituição que se deu após uma era sangrenta de repressão e tortura que foi a ditadura militar.

    A Constituição cidadã estabeleceu que “todo poder emana do povo” e por conta disso não se pode limitar o que vai ser ou não discutido, o tema é livre, é direito legitimado até mesmo debater o que deve ou não ser crime. A Democracia pressupõe o livre mercado de ideias onde não deve haver qualquer censura. Até porque se assim não o fosse estaríamos vivendo num sistema absolutista, totalitário, ditatorial, não democrático onde todo poder emana do soberano, e ai de quem discordar. O intercâmbio de ideias é que vai permitir ao estado a formulação de políticas públicas.

    Nas palavras da PGR “não cabe ao estado fazer qualquer juízo de valor sobre a opinião de quem quer que seja porque se nós permitíssemos isso nós permitiríamos que o estado proibisse a manifestação da minoria o que é a antítese da democracia”.

    Outro ponto que achei equivocado foi a afirmação de que nessas passeatas se faz uso público da droga, com o perdão da palavra mas trata-se de uma falácia , o próprio movimento proíbe o consumo durante a marcha. Somente para registrar, apesar do grande efetivo da PMPE durante o evento não houve sequer uma apreensão por conta de porte ou uso de drogas.

    Entendo que foi correto o posicionamento do Governo de Pernambuco, Ministério Público e Tribunal de Justiça que se posicionaram a favor da manifestação cívica. Devemos nos lembrar que esse posicionamento não é só do Supremo mas também do Ministério público Federal.

    Ao contrário do resto do país onde foi duramente reprimida, a exemplo do estado de São Paulo, a marcha da maconha realizada em Recife, como não poderia deixar de ser, historicamente mostrou que nosso estado está mais uma vez na vanguarda dos movimentos democráticos brasileiros.

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